Chão, uma realidade a pedir atenção

— Caminhada com André Barata

Exploratório esad—idea (Rua Brito Capelo, 243, Matosinhos)

    A existência abstracta desliga-nos do mundo e mata-nos como, na mitologia grega, Hércules matou Anteu. O filho de Geia tinha a sua força na conexão com a terra. Derrubá-lo só o revigorava. Percebendo isso, Hércules ergueu o seu adversário, mantendo-o suspenso sobre o chão. E assim, desligado da terra, Anteu foi exaurido até à morte. Nós, os filhos da terra de hoje, ainda não morremos, mas sofremos uma suspensão, que não sendo a mesma, é análoga. Precisamos com urgência de ser derrubados, ir ao chão e reencontrar o mundo que se deixa tocar com os pés que o pisam descalço, o corpo que se senta e se deita no chão, de mãos que dão as palmas à terra, até a cara encostada ao chão. O chão é membrana entre nós e o mundo. A sua noção e a palavra que a nomeia têm elas próprias muito chão.

    Desabstractizar a existência não é voltar para trás, como uma recusa do presente que regressa à pré-modernidade ou até antes. Regressar à existência concreta é mais da ordem de quem desce ao chão a partir do tempo presente. Por exemplo, regressar à experiência de andar descalço, deixar que o chão e a planta do pé respirem entre si.

    O poeta brasileiro Manoel Barros, recordando a sua ligação ao mato, propunha descer o olhar para o chão. 

    Ainda não entendi porque herdei esse olhar para baixo. 
    Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas. 
    Fui criado no mato e aprendi a gostar das Coisinhas do chão 

    Retrato do artista enquanto coisa (1998)

    Informações e inscrição

    Sábado, 29 de Março, 10h00 – 13h00
    Inscrição gratuita obrigatória: esadidea@esad.pt
    Público: quem quiser
    Lotação máx.: 20 pessoas
    Ponto de encontro: Exploratório esad—idea (Rua Brito Capelo, 243, Matosinhos)
    Percurso: através de pisos diversos, com praia

    Sobre André Barata

    Fez a sua formação na Universidade de Lisboa, onde se doutorou em Filosofia Contemporânea (2004). É professor catedrático na Universidade da Beira Interior, onde ensina desde 2002 e onde dirige, presentemente, a Faculdade de Artes e Letras. No âmbito da investigação científica, coordena a Unidade de Investigação Praxis - Centro de Filosofia, Política e Cultura. Ainda preside à Sociedade Portuguesa de Filosofia.
     
    Os seus interesses académicos circulam pela filosofia social e política e pelo pensamento fenomenológico e existencial. Assina regularmente colunas no Jornal Económico e no Público. É autor de vários livros de ensaio e, mais recentemente, publicou na Documenta uma trilogia - E se parássemos de sobreviver – Pequeno livro para pensar e agir contra a ditadura do tempo (2018); O Desligamento do mundo e a questão do humano (2020) e Para viver em qualquer mundo - Nós, os lugares e as coisas (2022).

    Caminhadas Exploratório

    O programa Caminhadas Exploratório é uma proposta da esad—idea que acolherá convidados de diversas áreas que nos irão propor ligações entre lugares, experiências e temas.

    As caminhadas realizar-se-ão regularmente ao longo do ano, e poderão ter uma vertente de carácter crítico — com discussão de temas enquanto se caminha — e/ou criativo — tendo o silêncio e a escuta profunda, a representação visual ou a recoleção seletiva como processos criativos ou em que a própria caminhada é um ato performativo.

    Este projeto é financiado pela FCT — Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., no âmbito do Projeto Financiamento UIDP/05237/2020

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